quarta-feira, 31 de março de 2010

Ezequiel Semo


A entrada no Rio de Janeiro
Percorri o Rio de Janeiro em ônibus. Assim pude ver um outro lado da cidade: o que está abaixo dos viadutos. Esse submundo, lugar de sombra e umidade, lixo e caminhões.
Em suas grandes colunas, paredes e lajes de concreto vive uma grafia despatriada. Nem grafite, nem propaganda institucional (privada ou estatal). Letreiros pintados com cal e ferrite, inteiros ou aos pedaços, divulgam a leitura de búzios (para prever o futuro) e vários tipos de trabalhos: a recuperação da pessoa amada, a compra e venda de carros.
Enquanto o grafite no Rio tenta tocar cornijas de edifícios e o próprio céu, estes letreiros penetram no subsolo.
Cartazes políticos
Na cidade de Buenos Aires e em sua região metropolitana há um trabalho gráfico semelhante ao observado no Rio, sendo que este anuncia a candidatura de políticos ou convoca o transeunte e militante a participar de uma manifestação política qualquer. Em período eleitoral podem estar por toda parte: pintados com cal puro e ferrite, ocupando espaços marginais (muros dos cemitérios, paredes que dão para as linhas férreas, pilotis de viadutos, muros de fábricas ou de edifícios abandonados). Eles são realizados à noite, por diferentes grupos de pintores que trabalham para diferentes partidos políticos. Há conflitos pela utilização dos espaços com maior visibilidade; é comum muitas vezes que sobreponham cartazes uns aos outros.
Pintores de letreiros do mundo: Uni-vos.
Pintar uma frase na sala de exposição do Museu da Maré.
Em Buenos Aires, Argentina, pinto cartazes, desenho letras e logotipos. Alguns meses há muito trabalho, outros não.
No Rio de Janeiro, gerar um intercâmbio.
Trabalhar com um morador do bairro da Maré. Conseguir uma comunicação que transcenda a paranóia e medo dos outros, gerada pela violência do sistema.
Buscar entre os moradores do lugar um pintor de letreiros. Aprender e percorrer o bairro da Maré, observar e documentar os letreiros expostos.
Perguntando nos arredores, entrei em contato com Ledilson Sabino da Silva (45 anos), um pintor de letreiros da Maré. Ele me disse que trabalha para uma empresa de transporte pintando frisos na carroceria dos caminhões.
Duas línguas, duas culturas, a mesma profissão: pintor de letreiros.
O subterrâneo está vivo. Embora se encham de escombros. É verdade. A Maré está viva.

Rio de Janeiro, março de 2010.


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